Dando continuidade à série de entrevistas com probloggers, hoje tenho a honra de apresentar pra vocês um bate-papo com o blogueiro mais famoso e controverso do Brasil (alguém duvida?) – Carlos Cardoso.
Leitura obrigatória para todos que desejam aprender a blogar de forma séria e competente, o Contraditorium – seu principal blog – apresenta uma média de 170.000 visitantes únicos e de 250.000 pageviews por mês, contabilizando hoje 6444 leitores fiéis via feeds.
Cardoso, como é conhecido na Blogosfera, prefere o termo bloguista a blogueiro:
O termo blog é pejorativo. Não adianta. “blogueiro” também é. O sufixo “eiro” denota trabalho braçal. Sim, “engenheiro” também é braçal, só melhora um pouco quando ganha “eletrônico”, “nuclear”, no final. Não temos “articuleiro”, “periodiqueiro”, “jornaleiro”. De forma subconsciente quando falamos “blogueiro” já nos colocamos em posição de inferioridade, diante do interlocutor (…) Desculpe, pessoal, mas não quero mais ser jornaleiro, eu quero ser colunista. E sou. Ou melhor: sou Bloguista. MANIFESTO BLOGUISTA – CONTRADITORIUM 19/02/2008
Ele é controverso, pois tem uma legião de fãs e outra de desafetos - talvez na mesma proporção - sendo o único blogueiro que tem uma comunidade no Orkut dedicada exclusivamente a criticá-lo. Considerado por alguns como mestre e por outros como arrogante e cheio de soberba, o Cardoso é na verdade um cara boa praça, inteligente, sarcástico e que possui um conhecimento que deixa muita gente incomodada.
A forma como conduz o seu trabalho é um exemplo a ser seguido por todos nós, porque ele é, antes de tudo, ético.
Cardoso escreve também no respeitado Meio Bit, no Blog do Cardoso e no Salsinhas.com.
| Sempre achei meio cabotino escrever mini-biografias na 3a pessoa, então vai na primeira mesmo. Carioca, solteiro, nascido em 1969, dois meses depois de Armstrong caminhar na Lua. Legítimo filho da Era Espacial, sempre gostei de tudo que tivesse a ver com tecnologia. Saiba mais… |
Consegui, com muito custo, elaborar apenas 20 perguntas - apesar de ter pelo menos umas 100 em mente – o que levou o Dr. House a twittar sobre essa longa tarefa :D
Você é um cara polêmico, amado por muitos e odiado por outros tantos. Quem é, na verdade, Carlos Cardoso?
Primeiro de tudo, é pro Fantástico?
OK, vamos lá. Cardoso (eu) é um sujeito que acha que o mundo é bem mais simples do que as pessoas acham que ele é. É geek, tímido quase patológico até descobrir que a maior cura para a timidez é a cara-de-pau, e uma das criaturas que menos se leva a sério. Tanto que fala de si mesmo na terceira pessoa, igual ao Edson, só para irritar.
Com o tempo Cardoso (eu) percebeu que é mais divertido viver o exagero do que ficar se explicando. Quando me declarei Rei do Twitter outro dia as reações do grupinho que levou a sério valeram uma semana de risadas.
Quanto a gostarem ou não gostarem, a regra é clara: Não gostou de mim, passe na bilheteria e receba seu dinheiro de volta.
Fale-nos sobre quando e como surgiu a idéia de ser blogueiro e por que escolheu o nome Contraditorium para o seu principal blog. É verdade que você começou no Blogger?
Eu sempre tive sites. Durante vários anos eram puro HTML, existindo apenas... é, não sei nem para quê perdia tempo com eles. Então descobri o PHPNuke, e montei um site para publicar as coisas que queria mostrar aos amigos. A visitação era pífia, claro. E blog era coisa de emo, eu não chegava nem perto.
Aos poucos a blogosfera foi se adaptando ao meu gosto (vide pergunta 1) e passei a considerar blogs algo viável. Então, no final de 2004 resolvi dar uma grande virada na minha vida, largando emprego, tudo. Escolhi trabalhar com blogs pois além de programar o que mais gostava de fazer era escrever, e como estava em uma fase muito antisocial (é, hoje é paz e amor) o formato permitiria que eu ficasse refugiado longe da sociedade E ganhasse um trocado.
Contraditorium foi um nome que surgiu de dois conceitos:
A frase de Walt Whitman: “Eu me contradisse? Muito bem, então eu me contradisse. Sou volumoso, comporto multidões”
e a expressão em latim: Quidquid latine dictum sit, altum sonatur
que significa “Tudo dito em Latim soa profundo”
Blogger? Não, tentei ter vários blogs lá mas nunca consegui, não tinha paciência para ficar mexendo no serviço com tudo remoto, tempos de linha discada, sabe como é.
No início, a temática principal do Contraditorium eram os blogs. Por que você resolveu mudar o foco?
A quantidade de metablogs aumentou muito, e pior, há muitos metablogs bons. E também não gosto de ficar falando sempre a mesma coisa. Não seria feliz hoje, fazendo posts sobre plugins do Wordpress.
Um profissional de redação escreve sobre qualquer coisa, e se eu quero continuar ganhando a vida escrevendo, é bom não me prender a um assunto só.
Considero seus posts muito bem elaborados. Você lê bastante, inclusive livros, revistas e jornais de papel?
Jornal em papel não, mas revistas, livros, gibis, bula de remédio, o que cair na frente. Minha revista preferida ainda é a Wired, de papel. Ainda vou emplacar um artigo lá! Sem ler muito não dá para sequer sonhar em escrever direito. É preciso experimentar vários autores, vários estilos, entender suas técnicas. Um bom redator precisa consumir pelo menos 10x o que produz.
Uma das coisas que mais admiro em você é a sua ética dentro da Blogosfera. Você poderia citar alguns exemplos do que se deve ou não fazer como blogueiro?
Um blogueiro não pode ter duas caras. Não existem segredos na Internet, só informações que ainda não foram descobertas. Outro dia um blogueiro conhecido foi pego de calças curtas pelo Luis Nassif, que o identificou como autor de um blog anônimo repleto de calúnias. Isso é muito feio. Não gosta de alguém? Fale. Não há problema nenhum. Mas não use o blog para vendetas. Eu uso muito o kibe como (mau) exemplo, mas se ele não fosse uma unanimidade entre os geradores de conteúdo original, viraria implicância pura. E nenhum leitor gosta disso.
Você foi uma das minhas principais fontes de inspiração, tanto no que se refere à ética, quanto à qualidade dos textos. Você acredita que um blogueiro possa ser um formador de opinião e influenciar até mesmo as escolhas dos seus leitores?
Todo mundo é formador de opinião. Cada vez que comentamos algo numa mesa de bar, dizemos que compramos tal produto ou vimos tal filme, estamos formando opinião. A graça da Internet é que essa opinião informal que todo mundo tem passa a ser compartilhada.
Antigamente existiam formadores de opinião locais –nossos amigos, parentes- e os globais –jornalistas, celebridades-. A Internet com os blogs criou formadores de opinião intermediários, e agora as mídias sociais globalizaram os formadores de opinião locais.
Você poderia citar blogs nacionais, que considera como exemplos a serem seguidos pelos novatos?
1 – Brontossaruos em Meu Jardim
http://scienceblogs.com.br/brontossauros/
Um dos blogs da chamada Blogosfera Científica, foi o primeiro que achei que não era nem manifesto sindicalista de professor universitário NEM blog didático ensinando palentologia for dummies. O conceito é o que deveria ser seguido por todos os blogs: Escreva sobre algo que você gosta e entende, com o entusiasmo de quem quer mostrar aos outros o quão legal é o seu assunto.
2 – Um Passinho a Frente
http://www.umpassinhoafrente.com.br/
É raro achar blogs que já começam direito. O Éden é publicitário em Recife e resolveu que teria um blog de sucesso. Ele criou um layout decente, vinhetas, definiu seções e intercala comentários sobre assuntos globais com causos e histórias do dia-a-dia pernambucano. Ele na verdade é meu Nêmesis, já perdi a conta de coisas legais que comecei a escrever sobre, apenas para visitar o Passinho e ver que o puto do Éden já havia publicado. Se ele continuar assim terei que mandar os ninjas.
3 – A viagem de Shigues
http://shigues.wordpress.com/
É mais um brasileiro no Japão, mas um que sabe escrever e não faz o gênero “ah que saudades da Bahia”. É um prazer ler as histórias não só da experiência do Gabriel em um pais distante, mas também as curiosidades que ele gosta de descrever, mostrando um Japão que vai além dos gameshows, ataques de monstros e tentáculos.
O que leva Carlos Cardoso a assinar um feed de um blog ou a adicionar alguém no Twitter?
Não é tão difícil. Basta ser interessante. Quando vejo um comentário inteligente, uma resposta divertida, isso já me deixa curioso. Da mesma forma descubro novos bons blogs nos comentários que recebo, usando essa técnica. Quem escreve bem comenta bem, responde bem.
Já se for mulher bonita, vou pelo avatar mesmo.
O que você pensa sobre blogueiros que, ao invés de se preocuparem com conteúdo, passam boa parte do tempo te criticando?
Outro dia descobri que tem um desses que invade chats para falar mal do modelo de calças que eu uso. Eu não me importo que haja gente preocupada em me criticar, só lamento não ter críticos minimamente decentes. O que devo fazer para o Inagaki brigar comigo?
Você cunhou termos interessantes e muito utilizados por blogueiros, tais como salsas, macfags e freetards. Você se considera uma referência na Blogosfera?
Macfag é um termo usado corriqueiramente, Freetard foi cunhado pelo Fake Steve Jobs, eu só popularizei. Já o Salsinhas foi criação minha mesmo, me divirto ver como a expressão se popularizou. Não acho que isso me torne referência.
Ainda existe preconceito contra blogs da plataforma Blogger ou isso vem mudando aos poucos?
Existe, a grande maioria dos blogs miguxos está lá. É até injusto, visto que há grandes blogs usando a plataforma, e o blog mais famoso do mundo por um tempo, o Fake Steve Jobs, era blogspot.com. Eu entendo que quando alguém fala “blog do blogspot”, com desdém (e eu falo bastante) não se refere aos bons blogs, mas aos miguxos.
Não há critica técnica à plataforma, e se o Wordpress fosse pioneiro, a frase desdenhosa seria “blog do wordpress.com”.
Você acha que é possível alcançar bons rendimentos usando o Blogger?
Perfeitamente. A plataforma não influencia. Mostre um conteúdo de qualidade, uma visitação respeitável e um público qualificado, e o dinheiro aparecerá.
Você é um blogueiro badalado, que costuma ser convidado para eventos, festas e campanhas publicitárias. Qual é a sensação de ter chegado tão longe? Você acredita que seu trabalho contribuiu para que os blogueiros fossem levados a sério?
Outro dia eu estava no bar do Transamérica, tomando um uísque e fazendo pose de espião internacional, enquanto pensava sobre isso. Em cinco anos de empresa, só fiz uma viagem a trabalho, ficando em um hotel vagabundo e cheio de notas fiscais para comprovar despesas. Com o blog já visitei o Exterior, fui a vários Estados brasileiros, conversei com empresários top das maiores empresas do mundo e conheci Steve Wozniak. Eu jamais conseguiria isso em meu antigo emprego.
É porque eu sou o máximo? Com certeza, mas como explicar os outros blogueiros que também vão nesses eventos?
Nós conseguimos isso com trabalho sério. Não é publicando fotos de mulher pelada e links para download de MP3 que você será convidado para ser jurado em um concurso mundial da Microsoft. Os benefícios conseguidos pelos blogueiros são proporcionais à seriedade com que se apresentam.
Meu maior elogio a respeito veio da Madame Bela, então blogueira e garota de programa, que durante uma entrevista se admirou pela quantidade de informação que eu havia pesquisado, antes do nosso encontro.
Se hoje eu fico em hotéis 5 estrelas na faixa, é por causa desse trabalho. Eu posso ser besta mas não sou burro nem mentiroso para dizer que freqüentava (ou freqüentaria) o Hilton com meu próprio dinheiro.
Meu trabalho contribuiu para que blogueiros fossem levados a sério? Não sei, mas contribuiu para que EU fosse levado a sério.
Em um dos seus mais recentes posts – A morte do dinossauro não torna o rato relevante - você fala sobre a discrepância de valores pagos em campanhas publicitárias à mídia convencional e aos blogs. Quais seriam as causas disso, já que os blogs hoje se tornaram referência de informações para muitos internautas?
“Muitos Internautas” ainda é um percentual insignificante do mercado consumidor. Como eu demonstrei no meu texto, uma página dupla em posição nobre na Veja em teoria seria suficiente para pagar publieditoriais em 4.000 blogs.
A mídia tradicional ainda tem muito mais penetração, audiência e credibilidade, junto ao consumidor. A tendência é isso mudar. Já está mudando, mas ainda demorará muito. HOJE nenhuma mídia online tem como cobrar os valores tradicionais, pois não tem como prover o mesmo retorno que as velhas porém eficientes midias.
Qual é a sua opinião acerca dos publieditoriais?
São excelentes formatos de mídia, que ainda não foram entendidos pelos clientes. Os blogueiros em geral são subaproveitados, tanto que é muito, muito raro um publieditorial ser replicado por outros blogs. Falta criatividade do lado que contrata e boa vontade do lado de quem faz.
Quais os melhores programas disponíveis para monetização de blogs?
Existe uma curva que define o trabalho que cada programa dá para ser mantido, e outra que define o faturamento. O programa mais simples, mas com faturamento proporcionalmente pequeno, é o AdSense. Dá para implementar e basicamente esquecer. Da outra ponta temos os links afiliados como o Submarino e Mercado Livre, que se devidamente trabalhados rendem muito dinheiro. Só que o trabalho acaba sendo basicamente manual, é preciso gerar conteúdo adequado ao programa. Exemplo: Resenhas de filmes com links para o DVD.
Há programas que tentam criar um meio-termo, como o BooBox, mas a regra é clara: Mais retorno só com mais investimento de tempo.
Você poderia dizer aos leitores do DB quais os caminhos a serem trilhados por quem deseja efetivamente monetizar um blog?
Primeiro de tudo investir no conteúdo. O blog só vai dar dinheiro se o conteúdo for bom. Isso se traduzirá em muitas visitas E visitas de qualidade, pois não adianta ter dezenas de visitantes, se a qualidade dos mesmos é muito baixa. No final você se torna não-seletivo como um programa de TV.
Com conteúdo E visitantes de qualidade, o valor percebido de seu blog será muito mais alto.
E o Twitter? Veio pra ficar, é só modismo ou vai ser orkutizado?
O Twitter já orkutizou. Vi gente perguntando como traduzir o Twitter, vi gente querendo saber onde criar álbum de fotos. Eu fui um dos profetas do apocalipse, mas hoje vejo que minhas preocupações foram infundadas. O Twitter é um paraíso. Ao contrário de outras mídias sociais dá para ignorar totalmente os idiotas, o ato de seguir alguém é totalmente voluntário e as “comunidades” nada mais são do que pessoas que gostam de conversar sobre determinado assunto. Agora mesmo estou no meio de uma conversa bem legal sobre novas mídias, com gente que me segue mas nunca tinha falado nada.
A utilidade do Twitter hoje para mim é evidente (não era, eu achava inútil. Não gostou da mudança de opinião? Veja o nome do meu blog): ele tanto serve como chat, como disseminador de informação. Não é uma ferramenta de análise. Na queda do Airbus da Airfrance, milhares e milhares de mensagens repetiam apenas “caiu um avião”. TODA a informação relevante vinha dos sites tradicionais, como CNN.
Eu diria que o Twitter é maravilhoso para disseminar algo que você está testemunhando. NENHUMA outra mídia, ainda mais das tradicionais, pode competir com isso.
Qual sua opinião sobre o tal script que leva a um aumento do número de seguidores de forma artificial? Seu uso arranhou a credibilidade de alguns blogueiros?
Quase. Quando começamos a questionar até a sanidade dos blogueiros que usaram o script, um monte de gente começou a usar também. O resultado foi que os blogueiros grandes sumiram na multidão de gente scriptada. Hoje a média de contatos novos no meu Twitter usando script é de asssustadores 50%.
Isso matou qualquer possibilidade de métrica, não é mais possível determinar a relevância de um usuário baseando-se no número de seguidores. Isso vai ser muito ruim para o Twitter como um todo, pois as agências começarão a criar ações envolvendo os “tops” do Twitter que só são tops numericamente, via scripts. Não possuem seguidores reais nem influência real. Jogarão fora o dinheiro do cliente e seu tempo.
Com sorte, perceberão que o erro está em escolher pelo número, Twitter não é MacDonalds. Com azar, queimarão a ferramenta como um todo.
E pra terminar, a pergunta que não quer calar: De onde vem tanta salsa???
As salsas sempre existiram. A diferença é que agora elas têm voz. A culpa não é delas, é de quem dá microfone para maluco. Por isso eu amo o Twitter. Vacilou, eu puxo a tomada. Block is Beautiful.